Gente que inspira

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6 de dez. de 2013

Felicidade com glitter





Há uma expressão muito minha, muito íntima, que não verbalizo nunca, mas constato e penso, em algumas raras vezes nesta vida: estou secretamente feliz!  Duvido que o que chamo de felicidade seja ela mesmo, a tal Felicidade prometida só mesmo nos paraísos, nos Edens da vida. Mas consideremos a nossa idealização de felicidade mais próxima da realidade terrena. É dela que falo. É ela que já me visitou algumas poucas vezes, sem que eu tenha feito alarde e anunciado aos quatro cantos do mundo.

Começo falando dessa “felicidade secreta” para deixar claro que não faço apologia à tristeza. Muito menos à felicidade. Mas não posso deixar de lembrar que vivemos a era da ditadura da felicidade. A felicidade virou um produto e a maioria vê-se na obrigação de consumi-la. Acontece que a obrigação de ser feliz vem nos tornando secretamente e cada vez mais infelizes. Patologizaram a tristeza. É vergonhoso e humilhante não estar feliz. Bonita parece ser a alegria pré-fabricada, intensificada pelo rivotril, que ajuda a evitar a humilhação de não poder sorrir. E nem se fala na existência de uma felicidade calma, reservada, secreta, sem glitter

Acontece que ela existe. Em dose terráquea, sem os esplendores do Paraíso, mas com a suavidade e o bem-estar proporcionados por pequenos e significativos momentos de nossa vida. Quando aprendemos a olhar com embriaguês, com poesia, para a vida e seus mistérios, podemos ser arrebatados momentaneamente. Um pôr-do-sol, uma música, um livro, um abraço, o vento, o mar e tantas e tantas coisas “insignificantes” sob a ótica capitalista do consumo. Porque é preciso “comprar” felicidade. E ela deve ser luminosa, exuberante, estrondosa, felicidade com glitter.

Entre os tantos benefícios proporcionados pela Arteterapia, a possibilidade de encontros legítimos com a felicidade. O fazer artístico com fins terapêuticos proporciona encontros essenciais, fundamentais com a Alma, E cria espaço para uma felicidade que nos ilumina de dentro da fora, sem néon, sem brilhos extravagantes, sem glitter.

Acredito que a tristeza e os seus parentes mais velhos e severos, como a depressão, são entidades subversivas. Elas se insurgem contra a felicidade com glitter, reivindicando o seu lugar, exigindo que as cortinas do teatro sejam fechadas, para que possamos viver de verdade os nossos sentimentos, sejam eles quais forem.

A Arteterapia acolhe a tristeza e todo e qualquer outro sentimento. As mãos dão concretude ao que está submerso, oculto, aprisionado. E, ao fazê-lo, começa a abrir as portas que guardam a simplicidade da felicidade que nos sussurra verdades de extrema beleza. Não, e não há pressa. Recriamos a tristeza em vários matizes. Ela toma as várias formas que o fazer artístico possibilita. É soberana, na maioria das vezes, porque chegamos ao trabalho arteterapêutico ainda com os anseios provocados pela exuberante felicidade que se tornou lei e que nos persegue dia a dia. E é ela que nos mostra os compartimentos secretos de nós mesmos.

No desenvolvimento da terapia, encontramos, inúmeras vezes, com a felicidade em sua aparência mais legítima. E a tendência é que passemos a encontrá-la mais vezes ao longo de nossa caminhada, porque nos libertamos da tirania do “sorriso alvo e perfeito, proporcionado pela pasta de dente X”.

A Arteterapia é um convite à felicidade íntima, nascida de pequenas sementes que deixamos ensacadas, porque estamos sempre ocupados em comprar felicidade em alguma concessionária, na clínica do cirurgião plástico, na academia, nos estabelecimentos que vendem a efusividade em todas as cores e tamanhos. Mas a verdade é que a felicidade com glitter está adoecendo corpos e almas. Esvaziando de sentido a vida de muitos. E aí, a tristeza subversiva trata de fechar as cortinas e trancar as portas do teatro, convidando-nos a uma vida real.