Troquei minha paixão por Jung
pela paixão por Hillman. Não que tenha esquecido de Jung e desprezado tudo o
que um relacionamento proporciona de aprendizados; mas a paixão é importante –
esse filho da fagulha que nos incendeia. Paixão é Hillman. Quer dizer, meu lado
terapeuta apaixonou-se por Hillman, meu lado poeta carrega um caminhão por
Manoel de Barros. Afinal, verdadeiramente, analista e poeta têm muito em comum.
Não concebo o entendimento da Psicologia Arquetípica de Hillman sem uma
sensibilidade poética, ainda que não precisemos todos “fazer poesia”
Não esqueço, contudo, que a paixão
é fogo de palha e pode extinguir-se um dia. Amadurecida, a gente entende que não
há verdades definitivas, e o que hoje parece responder aos nossos
questionamentos mais profundos pode se transformar em algo capenga, equivocado,
enfim. Mas, por enquanto, a Psicologia Arquetípica ainda não me deu motivos
para um arrefecer da paixão.
Sempre ouvi muitos sonhos, desde adolescente,
embora nada soubesse deles que não fosse fruto da minha imaginação. De algum
modo, eu acreditava nas minhas invenções. Na caminhada, vieram as leituras, os
estudos de vários estudiosos. A formação em Arteterapia teve uma abordagem
junguiana, apaixonante, mas com frestas de uma lucidez que impedia o crescer
das labaredas. Até que veio Hillman. Na verdade ele ainda está vindo. Mas é
ardente. “Eu gosto dos que têm fome, dos
que morrem de vontade, dos que secam de desejo, dos que ardem”... O trecho
da canção de Adriana Calcanhoto diz tudo. Diz “Psicologia Arquetípica”. Diz “fique
com a imagem”.
Quando nos desconstruímos (e eu
estou em abençoado processo de desabamento), a “velha opinião formada sobre tudo” aparece,
como espectro de um vigilante altivo, a querer medir, na prática, nosso grau de
convicção a respeito do novo, e medir forças também. Mas a poesia emprestou seu
ouvido à terapia. À Arteterapia, no caso. Se é que um dia, em mim, estiveram
dissociadas. Todos os eventos são, naturalmente, arquetípicos, que maravilha
poder entender isso de uma forma espantosamente natural! Que bom poder escutar encantada a
singularidade, sem anseios de enquadrá-la num modelo universal!
Meus dois amores – Hillman e
Manoel de Barros, mas não necessariamente nesta ordem – acabam por se
completar, ampliando o território da Poesia, dando-lhe um destino para além do
arrebatamento, do enlevo da alma. Em algum momento, a fala de um se sobrepõe a
do outro. Hillman é sedutor porque é poético. Manoel, porque é poesia. E é ele –
Manoel – que me traz a lição definitiva a respeito da alma humana: "Você sabe discutir coisas aqui, mas o sentido da vida,
essa incompletude que agente tem - nós somos incompletos, sentimos incompletude
- só pode ser completada com 'o mistério'." E é assim que me conduzo: ir
até onde for permitido, sem tentar devassar o mistério que todos precisam ter
preservado. O homem sem mistério é um homem raso.