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29 de jul. de 2014

Arteterapia: saber para melhor sentir...



Arte:  Diane Shenandoah


“Quero saber para melhor sentir e sentir para melhor saber.”
(Paul Cézanne)


Sempre há alguém perguntando o que é, mesmo, Arteterapia. Sempre, o equívoco de que a expressão artística por si só seja a mola propulsora da Arteterapia. Não, não é. Se assim fosse, bastaria criar. Criar é muito e transforma. Mas a Arte, na Arteterapia, é mediadora. Através dela, podemos nos relacionar com o universo íntimo, singular, de cada paciente. Há quem prefira falar “cliente” – eu não gosto. Mas também não me sinto confortável em utilizar a expressão “paciente”. Mas, em falta de um nome ideal, chamemos de “paciente” aquele que se submete à terapia que tem a Arte mediando, fazendo a ponte entre o mundo consciente e a dimensão inconsciente da psique. Pois então: a Arte é mediadora. É importante conhecermos diversas modalidades artísticas; e, na formação, experimentamos muitas delas. Outra dúvida que sempre surge é quanto à necessidade de o arteterapeuta ser um artista, ter uma formação anterior ligada às artes. Não, não é preciso. Se assim fosse, todo artista, toda pessoa formada em Artes seria um bom arteterapeuta. A Arteterapia une Arte e Psicologia. E essa é uma união que não pode se dar de forma artificial e forçada.
A Arteterapia precisa de uma base teórica. A relação do paciente com sua criação se dá de forma espontânea, através de sua observação, sua percepção, seus sentimentos e insights. O arteterapeuta precisa de uma ou mais linhas de pensamento teórico que o conduza. Por isso existem várias abordagens na Arteterapia: Arteterapia com abordagem junguiana; Arteterapia gestáltica; Arteterapia transpessoal, e por aí vai. Cabe ressaltar, desse modo, que é imprescindível que uma ou mais correntes psicológicas sejam condutoras nessa modalidade terapêutica. Não cabem invencionices, como estamos vendo acontecer a todo instante, chegando ao absurdo de existirem pessoas autodenominando-se “arteterapeutas” e anunciando atendimento a distância, sugerindo que se envie desenhos, pinturas, enfim, algo que em nada condiz com a Arteterapia séria, que não prescinde da observação de todo o processo criativo, e não apenas o resultado final, sem falar em todos os estágios necessários para o conhecimento do paciente e a criação de vínculos.
O arteterapeuta, como todo profissional que atua nas áreas psicoterapêuticas, precisa estudar constantemente e conhecer os novos caminhos apontados pela Psicologia. Se assim não for, estarão estagnados, apenas repetindo fórmulas e desvirtuando a essência de um trabalho que necessita, sempre, de Alma. O conhecimento da História das Arte e de todos os movimentos artísticos ao longo dos tempos é bem-vindo, porém não é essencial. Pouco importa se a criação do paciente tende para esse ou aquele estilo; o que conta, de fato, é a forma como podemos “escutar” o que ele – o paciente – diz através de sua elaboração artística, através de seu processo de criar, através de sua fala, seu olhar, suas emoções. Não raramente, um arteterapeuta é solicitado por algum conhecido ou amigo a “interpretar” o desenho de um filho, uma pintura, uma criação artística. Isso não existe, precisamos informar. Primeiro, porque – acredito eu – não é trabalho de um arteterapeuta “interpretar” nada. Cabe ao profissional acompanhar cada passo no fazer artístico, cada expressão do paciente, dificuldades, observações, associações, e intervir, com base também nos conhecimentos teóricos, mas sobretudo com Alma, intuição, ajudando o paciente a revelar-se a si mesmo, tendo a Arte como mediadora. Embora aprendamos técnicas diversas, não podemos ignorar que cada paciente é um universo, cada momento solicita de nós percepção, flexibilidade, intuição para alcançarmos mais um degrau em direção à dimensão desconhecida daqueles que nos procuram.
Na abertura do meu trabalho arteterapêutico, costumo utilizar a Poesia sempre – uma modalidade artística ainda pouco explorada na Arteterapia –, como uma forma de sensibilização para a entrada numa dimensão metafórica. A partir daí, seguimos com reflexões do paciente, fazendo ponte entre o que leu e sentiu e o seu mundo, seus sentimentos, suas vivências. Num momento posterior, trabalhamos uma modalidade artística que amplie as questões emergentes e caminhamos no sentido de elaborações e revelações através da criação. Os resultados são surpreendentes e, ao longo das sessões, não raro os próprios pacientes encontram pontos de interseção entre trabalhos realizados anteriormente.

O importante é que deixemos claro que Arteterapia não é simplesmente “fazer arte”. Tampouco  é “interpretar” desenhos, esculturas, pinturas etc. A linguagem artística em muito se assemelha aos sonhos. Temos diante de nós algo que fala por si só, trabalhos cujo entendimento passa pelo “sentir”. Sim, é preciso que o Arteterapeuta beba em várias fontes. É preciso “saber”. Mas, saber para “sentir”. Paul Cézanne, considerado o fundador da arte moderna, registrou: “Quero saber para melhor sentir e sentir para melhor saber.” Eu diria: Quero saber para melhor sentir e sentir para melhor saber, e saber para melhor sentir...numa relação incessante entre a mente e o coração que possa, o tempo todo, vivificar a Alma.