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26 de nov. de 2013

Traduzir-se: a arte de contar a própria história - Uma vivência arteterapêutica




A Poesia ainda é a arte maldita. Embora a formação em Arteterapia tenha sido eivada de poesia, sob a coordenação de uma profissional também de alma poética, faltou a Poesia como disciplina, como exercício embriagante de olhar a vida. É essa lacuna que sonho em preencher com o trabalho que será realizado no próximo ano, junto com outros.

O ser humano em “estado poético de alma” é um criador mais arrojado, mais transgressor e original, porque a embriaguez do olhar vislumbra uma realidade inédita e cria saídas inusitadas onde parece haver apenas muralhas intransponíveis.

A vida dos homens e mulheres de olhar embriagado ganha um sentido muito mais profundo, porque os caminhos se multiplicam; os sentidos se avivam; a consciência amplia-se; e eles podem, então, perceber que conhecem apenas pequena parte do que seus olhos, de fato, sempre enxergaram.

A Poesia é um alucinógeno natural, porque fascina, eleva, transforma, encanta, embriaga – doce embriaguez! E é preciso recuperar o estado poético de alma que, quando crianças, conhecemos tão bem. Impregnar-se de poesia é inaugurar uma nova e iluminada vida.

Mas entrar em “estado poético de alma” não significa escrever poesias, embora isso possa acontecer com um ou outro. O “estado poético de alma” é uma postura de vida, é o descobrir no velho o novo, e aprender a acreditar que a Poesia tem o poder de transformar, de ampliar horizontes, de criar uma imagem de nós mesmos mais parecida com a nossa própria alma.

De “estado poético da alma” eu denomino a condição de não-embotamento que poucos conhecemos verdadeiramente, quando é possível construir e realizar para além das viabilidades medianas.

A proposta de nossa vivência, no ano que vem, é trabalhar a expressão encantada: a palavra, os gestos, as expectativas.  É, por assim dizer, desliteralizar as expressões calcificadas da existência.

Nossa história de vida será vivenciada poeticamente. Dialogaremos com o eu-lírico soterrado sob os escombros das linguagens empobrecidas. Saberemos das facetas que ainda não desvelamos e acolheremos os outros de nós sem conflitos.

Mas essa vivência, como o próprio nome diz, pretende apresentar, em forma de arte, os principais capítulos da vida de cada um. Uma vida recriada, através da arte, por olhos embriagados, alma em transe poético. 

Ao final dos trabalhos, confeccionaremos, artisticamente, o nosso Livro Pessoal, em linguagem viva, abdicando de personas que já não nos servem mais.

Na arte de contar a nossa própria história, ressuscitaremos a linguagem encantada dos nossos primeiros dias de vida. Resssignificaremos páginas do livro de uma vida que adoeceu de literalidade. Devolveremos à imaginação o satus de biografia real. Escreveremos com letras vivas, inéditas, o mistério de ser quem somos verdadeiramente.

Gaston Bachelard , o filósofo, escreveu: “Do homem amamos acima de tudo o que dele se pode escrever. O que não pode ser escrito merece ser vivido?

Traduzir-se. Contar com arte, poesia, a história de nossa vida real, aquela que esmaeceu em folhas rejeitadas de um livro que nos recusamos a escrever.

É preciso enlouquecer o verbo, como nos ensina o poeta pantaneiro Manoel de Barros. Recuperar as palavras na sua infância, quando a poesia não é um gênero literário, mas a expressão viva e mutante de homens e mulheres que se metamorfoseiam a cada instante.

Conta-se que Zeus, em conversa com o deus Mercúrio, invejou a mortalidade dos homens. Os sentimentos sublimes que só são conhecidos por aqueles que conhecerão o fim. O borbulhar das emoções humanas, com seus anseios, suas dores e seus medos, que fazem da vida o mais belo livro que pode ser escrito. O poeta Fernando Pessoa fala, em um de seus inúmeros poemas, que ama infinitamente o finito. E na finitude da vida humana abriga-se a nossa história, que reaprenderemos a contar.

Como profissionais da escuta terapêutica, nós outros também necessitamos aprender a contar a nossa própria história. Sensibilizarmo-nos com os aspectos poéticos de nossas vidas, independentemente de como a tenhamos vivido.

A arte maldita - a Poesia -, longe de significar elucubrações, abstrações inúteis, possibilita a ressignificação da vida. A nossa história contada pode parecer um sonho. Dissolvemos sólidas imagens da chamada "realidade" e mergulhamos em profundas verdades da imaginação. Traduzir-se é recriar-se, exaltando-nos como heróis anônimos, mas incondicionalmente comprometidos com a jornada da vida. 

Esse será um dos três trabalhos que desenvolveremos no ano que vem e, tão logo termine o ano de 2013, começaremos a divulgar para os interessados Nos próximos posts falaremos dos outros trabalhos programados para o próximo ano.