Imagem: web
No princípio, existe a força da Vida.
Li esta frase há muitos anos num livro simples e profundo escrito por uma
médica. Levei anos para crer nesta força.
Assegurei-me dela no decorrer da minha própria jornada, durante a qual,
em muitos momentos, apostei na veemência da Morte. Mas a vida arrebentava
pedras e vinha em cachos de flores; surgia na água suja de uma poça; vencia a
ignorância de mulheres que atiravam ao lixo o seu rebento. A Vida triunfava inúmeras
vezes, inexplicavelmente.
Um dia disseram-me que o anseio
obsessivo pela Morte nada mais era do que o desejo de viver plenamente. E
compreendi que a Plenitude era o inimigo número um do sistema em que vivemos. Pela insaciabilidade eterna, aprisionam-nos. Morríamos
e morreríamos todos os dias pela mesma razão. O consumismo é o verme solitário
que nos aumenta a fome e perpetua o vazio. E a morte – despojada de sua aura de
mistério – vem em suas versões nocivas, transformando-nos em zumbis.
Mas voltemos à força da Vida. A
vida é cheia de incógnitas e mistérios. Todos nós os vivenciamos, mas já não
nos damos conta disso. Muitos acreditam, inclusive, que caminhar para fora do
Mistério é a saída para recuperar a força para a Vida. A inversão de valores é
uma marca profunda dos novos tempos. É pelo Mistério que nos reerguemos do
chão, que ganhamos asas e criamos amplitudes. Penetrar no Desconhecido é uma
porta evitada pelos homens. Mas está justamente aí a Saída.
Ao idealizar esse trabalho com
mulheres que vivenciam – pelo menos teoricamente – a maturidade, levei em conta
os valores que regem a nossa época. Considerei a completa dessacralização do
Feminino. A angústia – na maioria das vezes inconsciente – experimentada por
mulheres em faixa etária que varia dos 35 aos 50, 60 anos, com o declínio
paulatino da juventude, numa sociedade onde o envelhecimento é concebido como
doença.
O fio condutor de nossos
encontros será a busca de experimentar a vida diretamente, sem passá-la pelo
filtro das crenças, ideias preconcebidas, expectativas. Recapturar um senso
perdido de encanto diante das experiências do cotidiano. Compreender as doenças
e sofrimentos como estados em potencial de transformações para o amadurecimento
e o crescimento. Recuperar a nossa “cor original”, o nosso brilho, o nosso
corpo de luz. E a escolha do nome para o nossos trabalhos, nossos encontros – A
Primeira Cor –, veio de um poema de Orides Fontela (1940-1998), que sintetiza
bem a essência dos nossos objetivos:
A primeira
cor
Abrir os olhos.
Abri-los
como da primeira vez
– e a primeira vez
é sempre.
Embora seja um trabalho gratuito
(realizado mensalmente), tenho esperança de que o grupo de 15 mulheres tenha a
marca da diversidade etária, cultural, social e todas as diferenças que
enriquecem uma Caminhada. E que em todos os dias de nosso encontro possamos estar
vendo a vida – a nossa vida – e o mundo pela primeira vez.