Imagem web (autoria desconhecida)
Sim, dei para duvidar das minhas convicções. De repente, tudo que não ofereça espaço para a dúvida parece-me suspeito. Quanto mais sólida a certeza, maior o abismo que me esperará adiante – dei pra pensar. Esse é um estado ao qual não sei denominar, mas o sinto como fonte fundamental de vitalidade em momentos cíclicos de minha vida. Por mais que insistamos em afirmar que não perdemos a destreza, não enferrujamos com os movimentos mecânicos, o pensamento linear, a rigidez da lógica cartesiana, nossa linguagem desmascara-nos para nós mesmos, se tivermos a disponibilidade de observá-la. Tem faltado Alma à linguagem acadêmica, científica. Isso me cansa, confesso. Desvitaliza-me se, ciclicamente, eu não me deixar arrastar pela torrente das dúvidas, vagar pelas vielas movediças, erguer um altar temporário para o deus das incertezas. Até que alguma salvação miraculosa traga-me de volta ao “porto seguro” das Verdades Comprovadas – a ilusão oficial que exige a sua quota de atenção.
Passo fases mergulhada nas leituras, anotando referências, confrontando teorias, refletindo, “enrijecendo” os músculos da Imaginação. Depois caio em Devaneios. Açoito as margens das águas enfurecidas. Encho-me de amplitudes e me perco. Ouvindo a voz do meu eco a bradar: “Tem alguém aí?...Alguém me escuta?”. Não, não me escutam. Habito, provisoriamente, o Grande Deserto. Avanço para o clarão sedutor do Nada. Até me chocar com a tábua de salvação que me protege de um território desconhecido, de onde poucos voltam.
Há, contudo, nesses ciclos aparentes, um movimento em espiral. Nunca volto ao mesmo ponto de onde havia partido. Algo vai acontecendo, e mais uma vez não sei denominar. Tenho brigado cada vez mais com as palavras. Elas chegam simulando ondulação e fendas. Propagando traiçoeiramente uma nova ordem. Como vinho barato, trazem uma embriaguez presunçosa de amanheceres nublados. Fazem as batidas do coração tornarem-se fracas. As palavras sem Alma corrompem a nossa língua secreta. Persuadem-nos pela asfixia.
Salva-nos a Arte, quando nos deixamos tocar por ela. Salva-nos a Poesia em suas diversas roupagens: as letras ébrias a dançar uma dança que inclui atavismos e silêncios. Salva-nos as tintas engendrando mundos inimagináveis. O barro, modelando seres pelas nossas mãos tantas vezes rijas. O Delírio, que é concebido no ventre da Dúvida, e respira por brechas. Salva-nos a Insensatez e a Transgressão. A insanidade do verbo, como teria dito o poeta Manoel de Barros.
Desconfio de que, intimamente, estou em franco processo de desaprendizagem. Se isso for uma ilusão, é uma ilusão que me acalma. Não é fácil desaprender. Por mais evidências de rejuvenescimento que o morrer constante proporcione aos que cobiçam a juventude eterna, muito poucos se dispõem a velar seus defuntos íntimos. Só os deuses sabem quantas vezes já velei a mim própria: ora contrita, em silêncio nebuloso; ora, embriagada pelo perfume da Morte. Contudo, o Despertar recorrente não levanta o véu que esconde a matriz do Mistério. Às vezes pressinto que a Eternidade, o Infinito, é só o cansaço de braços que desafiaram a correnteza.
Outro sintoma da desaprendizagem parece ser o Esquecimento. Não um esquecimento qualquer, mas aquele que nos coloca em vertigem constante. Uma específica perda de memória obriga-nos, em alguns momentos, a lançar mão de alguma espécie de conhecimento que não se apaga nunca. Sim, não há denominação, terminologias, não nos adianta buscar o socorro nas palavras: elas não vêm. E, no entanto, não somos simples desmemoriados. Não lembramos, mas sabemos. Simplesmente.
Afinal, não sei bem do que queria falar. Talvez da ausência de Alma nas palavras. Não basta que elas traduzam o rigor de um mundo medido, contado, referenciado, comparado, evocando, com ardil, uma isenção sedativa, uma paisagem sem os abismos atávicos que nos impulsionam a ir, verdadeiramente, além do previsível. Os Verbos necessitam de Alma. Pensando bem, acredito mesmo que uma outra lógica nos mantém VIVOS – a lógica do imprevisível!
Taninha, vc.escreve lindamente. Desaprender é possibilitar o novo, o aprender sempre porque o vazio do que se foi abre espaço para o que chega, para o novo.
ResponderExcluirLi, reli, ainda lendo de novo. "Os verbos necessitam de alma", aqui fiquei e estou agora, sem qualquer lógica para argumentar, deixando-me entrar no texto, na alma que o texto vibra, em cada palavra. Estou em estado de imprevisibilidade, sob efeito de algo se harmonizando, como a beleza inteira de um arco-íris, projetada para o começo.
ResponderExcluiralma, aquela que bebe da eterna fonte da inspiração...
ResponderExcluirque continue a beber o mundo!