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11 de mai. de 2015

Me ajuda a olhar?




Imagem Web


A lua exerce um fascínio eterno nas pessoas. Resistiu ao desencanto que assolou o mundo, ao tédio das retinas, à vulgarização do sublime. Cada olhar em direção à Lua cheia é um espanto que não enfraquece, e é sempre um olhar primeiro numa sucessão infinita de olhares estreantes. O homem foi à Lua, mas São Jorge continua lá, e a luz emprestada ao satélite ainda faz com que os olhos brilhem. É preciso encontrar tempo e espaço para olhar a Lua, as estrelas, estabelecer um contato amoroso com elas e utilizá-las como portais para outras dimensões de nós mesmos. Dimensões desconhecidas, quem sabe extasiantes.
Umas das causas do consumo excessivo de drogas, por parte de garotos e garotas, é justamente a deficiência imaginativa. As cataratas que obstruem a beleza das coisas ínfimas. A pessoa imaginativa produz seus devaneios naturalmente.Que podem ser belíssimos. Contudo extirparam o órgão imaginativo dos homens. Eles já não semeiam realidades com sementes oníricas.
Muitos jovens sentem-se entediados em locais onde a Natureza é a grande estrela. Dizem não ter nada para fazer lá. Porque olham com descaso a flor solitária nas dumas de areia. Porque não sabem ver na majestosa solidão da flor uma metáfora para comportamentos e sentimentos humanos.
Também falta ternura. E ternura é algo na maioria das vezes desconhecido.
Mas o ser humano haverá de esgotar sua fome exacerbada pelos desejos materiais, e então terá início um apetite de ternuras, um anseio por asas, o orgasmo do olhar diante da beleza da mulher, do homem, das espumas do mar..
E volto a lembrar o poder do satélite com luz emprestada. Também dou-me conta do brilho da escuridão. A escuridão tem luz íntima, voltada para dentro, e um dia talvez todos possam enxergá-la. Do mesmo modo, a luz cria trevas ofuscantes, fogo derretendo íris. É preciso não esquecer que, sim, há muitos mistérios não desvendados pelas nossas vãs filosofias.
Também o esplendor das palavras se perdeu. Resta-nos apenas clichês sacralizados com os quais se evoca o Divino. São delírios maculados pela insanidade dos que sustentam um Deus com os dízimos. Eles mal olham pro céu e nada entendem sobre constelações. Toda a sua energia é gasta para combater o Demônio. A esses, só o Demônio poderá salvar. E aí talvez consigam promover o encontro entre seus olhos e o céu estrelado.
Acho que essa história traduz a minha direção principal no exercício da Arteterapia:


A função da arte

Eduardo Galeano

Diego não conhecia o mar. O pai, Santiago Kovadloff, levou-o para que descobrisse o mar. Viajaram para o Sul.
Ele, o mar, estava do outro lado das dunas altas, esperando.
Quando o menino e o pai enfim alcançaram aquelas alturas de areia, depois de muito caminhar, o mar estava na frente de seus olhos. E foi tanta a imensidão do mar, e tanto fulgor, que o menino ficou mudo de beleza.
E quando finalmente conseguiu falar, tremendo, gaguejando, pediu ao pai:
- Me ajuda a olhar!

Os olhos encantados precisam de outros olhos para dividir o fulgor. E assim vamos semeando sonhos...

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