Gente que inspira

Pages

16 de set. de 2015

A Arte de se reinventar com alma



No universo xamânico, há uma cura física, anímica e espiritual muito intrigante conhecida por O Resgate da Alma.  Tive a oportunidade de vivenciá-la certa vez por meio de um índio nordestino da tribo kariri xocó e, embora “curada” do mal estranho que me afligia, fiquei por muito tempo intrigada com aquele processo primitivo de cura, cujo mistério não consegui, então, decifrar. Eu viera de alguns dias de descanso na Chapada de Diamantina e fiquei, por um tempo razoável, com a sensação de ausência de mim mesma. Poderia ter procurado um médico, mas intuí que o índio sobre o qual me falaram e que estava hospedado aqui na cidade poderia me sugerir algo que me tirasse do “lugar nenhum” onde eu parecia estar. E fui até ele, mais por curiosidade, confesso.
O índio me recebeu e me fez uma pergunta: “Está menstruada?”. Eu estava. Pediu-me que avisasse sobre o final do sangramento e avisei. Ele, então, informou-me o dia em que me visitaria em sonhos e no sai seguinte eu voltaria a ele. E voltei. O curador indígena me perguntou se eu havia estado em algum lugar com águas e informei-lhe que havia voltado recentemente da Chapada. Ele me explicou, em seguida, que uma parte da minha alma havia ficado presa nas águas. Um homem moreno teria feito isso sem nenhuma intenção ruim, mas a verdade é que parte da minha alma ainda estava lá. E fui encaminhada para um quarto de atendimento improvisado, o índio acendeu o cachimbo, girou em torno de mim, murmurou algumas palavras das quais não me lembro e soprou, segundo me explicou, a alma de volta a mim. Saí de lá inteira, sem mais a sensação de ausência, porém intrigada.
Mircea Eliade, famoso historiador de religião romeno diz em seu livro “Xamanismo, Técnicas Antigas do Êxtase”:
“A principal função do xamã na Ásia Central e do Norte é a cura mágica. Nessas regiões pode se encontrar diversas concepções da causa da doença, mas aquela da “violação da alma” é de longe a mais comum. A doença é atribuída ao afastamento ou ao roubo da alma, e o tratamento em princípio resume-se em encontrá-la, capturá-la e obrigá-la a retomar seu lugar no corpo do paciente. Apenas o xamã vê os espíritos e sabe como exorcizá-los; apenas ele reconhece que a alma se afastou e é capaz de alcançá-la em êxtase e trazê-la de volta ao corpo”.
Comecei a pensar nos xamãs modernos – terapeutas, analistas, psicólogos – e questionar sobre as suas habilidades em trazer as partes de almas que ficaram presas em lugares psíquicos, gerando ausências.  Pensei também na psicologia junguiana e pós-junguiana. Lembrei-me de Hillman e de sua psicologia arquetípica, que propõe o “fazer alma”, o "soul making".  O conceito do Resgate da Alma dos xamãs parte do princípio de que a alma humana, em circunstâncias extremas e traumáticas, retiram-se para uma vida paralela, passando a viver em segurança precária, sem evolução. De algum modo, modernamente podemos, também, falar da ausência de partes de nossas almas e da ausência de sentido para a vida.
Nossa vivência (Traduzir-se: a arte de contar a nossa própria história) é uma releitura psicológica do primitivo trabalho de regate da alma. Aqui o terapeuta – não o xamã – será o guia nessa jornada em busca da Alma.  A proposta de reescrevermos nossa história é, de antemão, um convite a revisitarmos territórios psíquicos esquecidos, revermos páginas envelhecidas de nosso “livro de memórias”, trazer à luz nossas ficções, almar as passagens de nossa história que se  abriram em feridas, dores pulsantes, desvirtuando nossa caminhada em direção a nós mesmos. O passado não se muda, é verdade, mas mudamos o olhar, descobrimos que é possível rever o que vivenciamos com um sentido estético, encontrando a Beleza, que, ausente, desbotou o colorido de cada dia vivido.
Haverá momentos de silêncios e introspecção, mas também de criação e partilhas em volta da fogueira. Vamos contar a nossa história e recuperar a vitalidade imaginativa, fundamental para a saúde psíquica. Fica o convite!


2 comentários:

  1. O resgate da alma é um grande e belo trabalho de cura. Fiquei, estou feliz com tudo isso...a tua experiência...o teu compartilhamento...lindo texto, fez-me lembrar de um tempo em que estávamos próximas. Lindo recanto, este sítio. Não vou poder participar, como sempre, mas vou "convidar" algumas pessoas. Um abraço.

    ResponderExcluir


Deixe aqui suas impressões, reflexões, dúvidas.