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30 de set. de 2015

Sobre Destino e Imaginação









No fundo, sempre acreditei em Destino. Não de uma forma fatalista, mas de uma forma...poética! Gostava de pensar que havia um Lugar a minha espera.  Sentia-me alienígena desde menina. Logo, a fantasia de “algum Lugar a minha espera” aplacava um tanto a Saudade do Algo invisível, que é saudade arquetípica, hoje compreendo.
Nunca gostei dos Destinos oferecidos pelas religiões e nem pagaria por eles deixando de vivenciar meus “pecados”. Na Mitologia, eram-me simpáticas as três irmãs habilidosas com o tear de nossas vidas. As Moiras – como são conhecidas as irmãs mitológicas que tecem nosso Destino e cortam os fios da Vida – são uma imagem que considero belíssima.  Se não literalizamos as imagens, elas nos revelam segredos íntimos e desvelam uma infinidade de possibilidades. Assim, Cloto, Láquesis e até mesmo Átropos, as Moiras, não precisam ser julgadas com tanta severidade, como muitos o fazem.
Essencialmente, o sentido de Destino associa-se a uma possível ordem cósmica. Talvez o que não tenhamos sabido perceber que a Mudança é uma lei cósmica que, infringida, condena-nos a um único e implacável Destino.  Não é desconhecida a frase de Jung que, bem refletida, possibilita reflexões e mudança de percepção sobre as nossas vidas: "Aquilo que não fazemos aflorar à consciência aparece em nossas vidas como destino".  Mas eu diria um pouco mais sobre isso, hoje, sabedora do papel da Imaginação em nossas vidas.  Compreendo a Imaginação como o “terceiro olho” ou “olho Místico” de povos antigos, como os egípcios, de esotéricos e ocultistas. Acredito que também este símbolo foi literalizado, como toda a dimensão sagrada da Humanidade, que perdeu-se na concretude do mundo.
Ontem assisti a um vídeo postado pelo analista junguiano Marcus Quintaes, referência na Psicologia Arquetípica de Hillman, que me trouxe um novo olhar sobre a crise pela qual nosso país está passando.  Era um bate-papo no Café Filosófico entre o filósofo Vladimir Safatle e a psicanalista Maria Rita Kehl. O tema é Afeto, psicanálise e política, e um dos trechos mais interessantes da conversa (e toda ela é muito interessante) dizia respeito ao Medo como sentimento que nos desorienta neste momento em que precisamos não paralisar, e o Medo paralisa.  Importante a associação Safatle fez entre esse temor que tomou todo o País, independentemente de partidos, de orientações ideológicas. Conforme ele explica: "Nossa imaginação se deixou bloquear; e quando nossa imaginação se deixa bloquear, então nenhuma possibilidade parece mais possível".  E agora vale a pergunta: o que Imaginação tem a ver com Destino? Eu diria que “tudo”.  O filósofo afirma que a política brasileira tem, hoje, como afeto central o Medo. E o Medo paralisa, bloqueia, impede-nos de usar a Imaginação para encontrar caminhos novos e sairmos, assim, desse impasse criado pelo Medo de “sair” ou “ficar”, medo do futuro, como se nós não fôssemos os criadores dele.
Sim somos os criadores do futuro, tenhamos ou não consciência disso.  Se o Medo nos impede de “criar” – novas possibilidades, caminhos inusitados, modelos inéditos –, o amanhã será a ruína. Se o Medo impede-nos de Imaginar, verdadeiramente nosso Destino já está mais ou menos traçado. Só que não. Não há Sonho que não forje saídas, que não intua uma nova perspectiva, que não se condense em “realidade palpável”.  Lembrando Hillman, o caminho do Imaginal  “é” a Saída. Talvez tenha sido sempre, em todos os tempos, de todas as eras.
No livro mais popular do analista James Hillman, O Código do Ser – uma tradução incorreta que fizeram para o que seria O Código da Alma – , o junguiano criador da Psicologia Arquetípica fala-nos da Teoria do fruto do carvalho, segundo a qual a árvore já está contida no fruto. A teoria do fruto do carvalho sustenta que cada pessoa tem uma singularidade que pede para ser vivida e que já está presente antes de poder ser vivida. É algo como um desenho primordial do qual podemos ter, eventualmente, alguns vislumbres e segundo o qual fazemos as escolhas que determinam nossa vida. A ideia de Destino apresentada por Hillman tem raízes antigas. Na verdade, a ideia veio de Platão (A República) e resume-se mais ou menos assim: a alma de cada um de nós recebe um daimon único, antes de nascer, que escolhe uma imagem ou um padrão a ser vivido na Terra. É ele quem nos guia aqui. Quando nascemos, esquecemos, porém,  tudo o que aconteceu e achamos que chegamos vazios a este mundo. O daimon não esquece do que está em sua imagem e pertence a seu padrão, e assim é considerado portador de nosso destino.

Teoria do fruto do carvalho, Daimon, Gênio, Alma... podemos denominar de formas diferentes esse princípio. Essencial é que compreendamos que nascemos destinados a ser quem verdadeiramente somos.  Dito de outra forma, nosso futuro e nosso potencial já estão inscritos de alguma forma em nós ao nascermos, assim como uma semente contém toda a árvore em potencial.  Considerando que cada um de nós nascemos com um daimon, um chamado, podemos concluir que temos nossa “história particular”, independentemente dos pais que tivemos ou do meio em que vivemos. Realizá-la é o nosso grande desafio, porque a teoria de Hillman não exclui o livre arbítrio e podemos, sim, contrariar nosso Destino. Podemos permitir que o Rumores terrenos abafem a Voz que nos fala de outra instância, para além, muito além, dos domínios do ego. E, mais uma vez, ressalto o papel da Imaginação como portal para um caminho novo, uma estrada inédita, uma vida que possibilite recriarmos a nossa história vivida.  Este é mais um texto-convite para a nossa vivência arteterapêutica, Traduzir-se: a arte de contar a própria história.  O nosso Destino é nos transformarmos naquilo que somos. 





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