Eu com um índio fulni ô
Não há livros e
nem conhecimentos que sejam mais importantes do que a experiência vivida.
Demorei, talvez, a verbalizar isso com todas as letras. Hoje é uma verdade, no
meu entendimento, incontestável. Acho que talvez por isso tenha escolhido meus
médicos, minhas amizades olhando nos olhos. Lendo pelos vasos fininhos dos
olhos quantos caminhos já tinham percorrido. O que sentiram, o quanto sofreram
e o quanto o sofrimento alheio os sensibiliza.
Eu conheci a
vida pelos livros. Ela me foi apresentada, muitas vezes, em papel bíblico,
marcador de seda, em volumes de capa dura e dourada. A vida acabava na última página
e logo recomeçava, noutro livro. De certa forma foi bom e me preservou de
muitas ciladas da vida. Mas mais tarde, quando comecei a substituir os
personagens dos livros por pessoas da vida real, descobri que da “realidade” pouco
sabia. E entendi que é preciso viver para conhecer a vida e as almas. E fui
viver.
Ao decidir-me
pela formação em arteterapeuta, já conhecia as inúmeras feridas da minha alma,
muitas que se curaram, outras talvez apenas se fingem de cicatrizes, mas jorram
repentinamente o sangue escuro, aprisionado. Não foi tão difícil entender que
que tem o destino de curador, ou cuidador, nasce profundamente ferido, ainda
que não saiba. E terá o mesmo destino de Quíron: curará, mas em si mesmo haverá
uma ferida que jamais cicatrizará e que faz do terapeuta um consciente terapeuta.
Eu nada tenho
contra os psicólogos, terapeutas que tenham uma religião. Mas confesso que me
sinto mais livre e confortável não tendo nenhuma. Hoje vou a festas de
caboclos, de orixás, a rituais indígenas, meditação budista, enfim, e vou
enriquecendo minha alma com experiências que ajudarão outras almas.
Ontem havia dois
eventos nos quais eu deveria ir: uma mesa-redonda com Arteterapeutas de vários
estados, bons livros à venda, aquele clima de fortalecimento que dá essa junção
de pessoas que escolheram o mesmo tão lindo caminho de vida; mas havia também,
numa reserva indígena, próximo a Salvador, um ritual que chamavam de “a dança
da onça”, que acontece anualmente no Dia do índio. Deixei que minha alma decidisse. E minha alma me disse que estou vivendo a
fase de aprendizados vivenciais. Naquele momento, o aprendizado seria maior no
Ritual dos índios.
Arte foi o que não
faltou: pinturas corporais, faciais, cocar, colares, lanças e muitos outros
objetos. A dança – que me pareceu guerreira – era mais do que uma simples
dança. Era um ritual também, e a mim parecia que servia também como espécie de
catarse, com gritos e urros. Dancei, pintei o rosto antes de sair, não resisti,
como não resisto nunca, ao artesanato indígena. Matei saudade de amigos índios
que não via há tempos. Observei, na arte dos índios, os símbolos, no coração
uma reverência pela Natureza e pela arte, a importância dos quatro elementos na
sua simbologia.
Prestei atenção
na alegria que vinha durante a dança-ritual, a força e a união. Fazer arte no
próprio corpo para reverenciar um deus, para rituais de cura, para a paz e para
a guerra. Embora os índios nordestinos tenham, na sua maioria, se afastado da
sua cultura, o líder e morador da reserva onde aconteceu o ritual, Wakai.
realiza um trabalho de recuperação e fortalecimento dos costumes ancestrais e da
sua língua de origem.
Também lembrei
que já fui tratada e curada por um índio, num ritual que é conhecido como “resgate
da alma”, e então acreditei que aqueles homens, remanescentes de outros mias sábios,
de alguma forma tinham uma sabedoria só deles.
Eu continuo
entendendo que o nível de cura que se dá na terapeuta é a percepção da
localização de sua grande ferida. A minha é uma ferida primitiva, e só indo ao
encontro dela para resgatar memórias importantes, encontrar respostas, como as
tantas que encontrei, descobrir facetas selvagens vitais, elementos da minha
natureza íntima, que são canais de cura.
Mesmo terapeuta,
jamais deixamos de ser pacientes de nós mesmos, principalmente, para aprender
sobre a vida, que se renova sempre. E o primitivo vitaliza, mas os que têm a ferida sangrando no mais fundo da alma.
Nada substitui a vivência e é ela o principal recurso pra entender o outro.Essa entrega para buscar-se é o que possibilita enxergar e ouvir com o coração. Belo caminho vc escolheu!Exige muita coragem e isso é o que não lhe falta quando se trata de mergulhar em si mesma!
ResponderExcluirExcelente experiência, Tânia!
ResponderExcluirE você chegou impregnada da Mãe Terra, das nossas origens, fortalecida!
Abraços
"somos pacientes de nós mesmos"
ResponderExcluirIsso é uma afirmação importante na busca do autoconhecimento,sabemos então que pra nossos males,só nós temos o unguento.Basta descobrirmos o ponto certo da ferida no corpo,na alma e na emoção.
Linda essa sua experiencia Tania,to de olho.Beijo no seu coração e muita paz.