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20 de abr. de 2013

A onça e a arteterapia



Eu com um índio fulni ô







Não há livros e nem conhecimentos que sejam mais importantes do que a experiência vivida. Demorei, talvez, a verbalizar isso com todas as letras. Hoje é uma verdade, no meu entendimento, incontestável. Acho que talvez por isso tenha escolhido meus médicos, minhas amizades olhando nos olhos. Lendo pelos vasos fininhos dos olhos quantos caminhos já tinham percorrido. O que sentiram, o quanto sofreram e o quanto o sofrimento alheio os sensibiliza.

Eu conheci a vida pelos livros. Ela me foi apresentada, muitas vezes, em papel bíblico, marcador de seda, em volumes de capa dura e dourada. A vida acabava na última página e logo recomeçava, noutro livro. De certa forma foi bom e me preservou de muitas ciladas da vida. Mas mais tarde, quando comecei a substituir os personagens dos livros por pessoas da vida real, descobri que da “realidade” pouco sabia. E entendi que é preciso viver para conhecer a vida e as almas. E fui viver.

Ao decidir-me pela formação em arteterapeuta, já conhecia as inúmeras feridas da minha alma, muitas que se curaram, outras talvez apenas se fingem de cicatrizes, mas jorram repentinamente o sangue escuro, aprisionado. Não foi tão difícil entender que que tem o destino de curador, ou cuidador, nasce profundamente ferido, ainda que não saiba. E terá o mesmo destino de Quíron: curará, mas em si mesmo haverá uma ferida que jamais cicatrizará e que faz do terapeuta um consciente terapeuta.

Eu nada tenho contra os psicólogos, terapeutas que tenham uma religião. Mas confesso que me sinto mais livre e confortável não tendo nenhuma. Hoje vou a festas de caboclos, de orixás, a rituais indígenas, meditação budista, enfim, e vou enriquecendo minha alma com experiências que ajudarão outras almas.

Ontem havia dois eventos nos quais eu deveria ir: uma mesa-redonda com Arteterapeutas de vários estados, bons livros à venda, aquele clima de fortalecimento que dá essa junção de pessoas que escolheram o mesmo tão lindo caminho de vida; mas havia também, numa reserva indígena, próximo a Salvador, um ritual que chamavam de “a dança da onça”, que acontece anualmente no Dia do índio.  Deixei que minha alma decidisse.  E minha alma me disse que estou vivendo a fase de aprendizados vivenciais. Naquele momento, o aprendizado seria maior no Ritual dos índios.

Arte foi o que não faltou: pinturas corporais, faciais, cocar, colares, lanças e muitos outros objetos. A dança – que me pareceu guerreira – era mais do que uma simples dança. Era um ritual também, e a mim parecia que servia também como espécie de catarse, com gritos e urros. Dancei, pintei o rosto antes de sair, não resisti, como não resisto nunca, ao artesanato indígena. Matei saudade de amigos índios que não via há tempos. Observei, na arte dos índios, os símbolos, no coração uma reverência pela Natureza e pela arte, a importância dos quatro elementos na sua simbologia.

Prestei atenção na alegria que vinha durante a dança-ritual, a força e a união. Fazer arte no próprio corpo para reverenciar um deus, para rituais de cura, para a paz e para a guerra. Embora os índios nordestinos tenham, na sua maioria, se afastado da sua cultura, o líder e morador da reserva onde aconteceu o ritual, Wakai. realiza um trabalho de recuperação e fortalecimento dos costumes ancestrais e da sua língua de origem.

Também lembrei que já fui tratada e curada por um índio, num ritual que é conhecido como “resgate da alma”, e então acreditei que aqueles homens, remanescentes de outros mias sábios, de alguma forma tinham uma sabedoria só deles.

Eu continuo entendendo que o nível de cura que se dá na terapeuta é a percepção da localização de sua grande ferida. A minha é uma ferida primitiva, e só indo ao encontro dela para resgatar memórias importantes, encontrar respostas, como as tantas que encontrei, descobrir facetas selvagens vitais, elementos da minha natureza íntima, que são canais de cura.

Mesmo terapeuta, jamais deixamos de ser pacientes de nós mesmos, principalmente, para aprender sobre a vida, que se renova sempre. E o primitivo vitaliza, mas os que têm a ferida sangrando no mais fundo da alma.

3 comentários:

  1. Nada substitui a vivência e é ela o principal recurso pra entender o outro.Essa entrega para buscar-se é o que possibilita enxergar e ouvir com o coração. Belo caminho vc escolheu!Exige muita coragem e isso é o que não lhe falta quando se trata de mergulhar em si mesma!

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  2. Excelente experiência, Tânia!
    E você chegou impregnada da Mãe Terra, das nossas origens, fortalecida!
    Abraços

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  3. "somos pacientes de nós mesmos"

    Isso é uma afirmação importante na busca do autoconhecimento,sabemos então que pra nossos males,só nós temos o unguento.Basta descobrirmos o ponto certo da ferida no corpo,na alma e na emoção.
    Linda essa sua experiencia Tania,to de olho.Beijo no seu coração e muita paz.

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