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11 de mai. de 2013

A Arteterapia e a Grande Passagem







Fui solicitada a atender uma paciente terminal. A família pediu que esperasse apenas ela se fortalecer um pouco, mas nem houve tempo de conhecê-la: morreu alguns dias depois. Arteterapia para doentes terminais? Há, sim, quem estranhe. As terapias energéticas são mais compreendidas e aceitas em momentos como esse. Mas o estranhamento é comum quando se ouve sobre a Arteterapia caminhando junto com o processo da morte. Há os tanatólogos, profissionais preparados para lidar com a morte. Mas...arte? Sim, arte. Essa reflexão acompanhou-me desde o percurso da minha formação como arteterapeuta.

Na prática, há várias razões e explicações de como podemos utilizar a arteterapia com doentes terminais. Na experiência de vida, bem antes de eu conhecer a Arteterapia, uma angústia humana, talvez tola do ponto de vista material, mas importante, no aspecto emocional, já insinuava que a arte e a morte podem estabelecer uma relação bonita. A arte pode ser a ponte colorida que nos conduz ao grande Mistério.

Há anos, sofri da angústia de escolher um presente para o último Natal de meu pai. Dois meses e pouco depois ele morreria. O que dar de presente a quem parte para um mundo que não dá acesso ao material? Roupa, sapato, livros, aparelhos...nada disso entraria no novo mundo desconhecido. Foi quando pensei na música. Comprei o disco (ainda em vinil) de Plácido Domingo, que ele tanto gostava, e dei-lhe de presente. Mal recebeu, entrou no meu quarto e pôs o disco a tocar em volume altíssimo. Ouvimos os dois, emocionados, e logo a família já reclamava da altura. Foi a única vez que ele ouviu, junto comigo, e tive certeza que ele levou a música para  a sua alma. Ficou apenas o vinil mudo, pois nunca mais ouvi.

A morte, tal como o nascimento, é um momento delicado. Não saberia imaginar nenhum profissional que atue nessa área, lidando com a morte, sem a convicção de que a morte não é o fim. Para cuidar dos que estão partindo e dos seus familiares é necessário ter certeza de que o fim não existe. Estaremos sempre recomeçando, de algum modo e em algum lugar. E, ao cuidarmos do doente terminal, precisamos ter em mente – assim penso eu – que estamos envolvidos em dois processos ao mesmo tempo. Precisamos nos colocar nos dois lados: o de cá e o de lá. Precisamos, sobretudo, ter em mente que estamos, de alguma forma, ajudando a curar a alma de quem parte. Dissolver seus anseios, seus medos, suas culpas, suas frustrações. O alguém que morre é, em essência, o mesmo alguém que está renascendo noutro lugar. Penetrando uma outra dimensão, seja ela como for.

O arteterapeuta não só ouvirá o doente – representando ali tantas pessoas que passaram por sua vida –, mas proporá expressões artísticas que possam ajudar a fortalecer a voz interior daquele que parte. As metáforas da morte virão em cores e formas diversas. O medo se revelará e poderá, assim, ser dissipado. Considerando a singularidade de cada ser, de cada pessoa que se despede da vida, o profissional da Arteterapia pode propor uma modalidade de arte. Além da infinitude de mensagens que a criação do doente terminal registrará –  numa espécie de síntese de si mesmo e de sua vida, sua história – , no “fazer arte” está a magia de sintonizarmos com o nosso maior dom, a exemplo do “Criador”, que é o de criar. Isso atua positivamente sobre a psique do doente e, acredito, insinua ou aponta a transcendência, pela própria essência da arte.

A morte, como um grande rito de passagem que é, precisa, muitas vezes, de cores, de música, de poesia. Ocidentalmente, fomos educados para sofrer muito, seja pela fragilidade espiritual, apego excessivo ao material, descrença, medo, desconhecimento. Mas é necessário que, de algum modo, ressacralizemos a morte. Que aprendamos a participar desse evento com o coração aberto e amoroso, ajudando a conduzir, suavemente, o terminal ao seu novo mundo.

Ainda não atendi, terapeuticamente, um doente terminal, mas isso acontecerá mais cedo ou mais tarde, porque é, mais que um desejo, uma vocação. Mas lidei com a morte ainda no meu estágio supervisionado. A paciente sofrera a perda de dois filhos. A segunda perda, recente no momento em que comecei a atendê-la, deixou dores profundas e abafadas pela personalidade da paciente.  E, como qualquer profissional que cuida de gente, de almas, há momentos em que a intuição aponta o caminho, a saída. Senti que minha paciente sofria pelo fato de não ter visto o filho pouco antes de morrer, de não ter podido falar com ele, dizer-lhe coisas que nunca foram ditas. Reservei uma sessão inteira para fazermos uma espécie de rito de despedida. Ela pintou, tocou piano (era pianista), escreveu ao filho e disse-lhe aquilo que sentia vontade de dizer. Todo o processo foi acompanhado passo a passo, e a arte, além de revelar aspectos inconscientes da paciente, teve um efeito muito positivo, transformando-se no elemento principal no ritual de despedida.

De qualquer sorte, o “remédio” será sempre o mesmo no nascimento e na morte: o Amor. Se compreendermos que as nossas vibrações amorosas equilibradas ajudam e muito na caminhada da alma que parte, se entendermos que o Amor é uma energia que atravessa tempo e dimensões, que poderemos continuar amando e que o outro continuará a sentir o Amor, aí, sim, estaremos prontos para nos confrontarmos com a morte.



Um comentário:

  1. Que coisa linda...
    Quero morrer assim...envolvida na arte
    Parabéns pela sua sensibilidade e amorosidade
    Bj no coração
    Conceição Farias

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