Arte: Chiara Fersini
Vi uma bela imagem fotográfica
que foi batizada, pela autora, como “A origem dos sonhos”. Fiquei, então,
pensando sobre tudo que já lera de sério sobre os sonhos. Nas teorias
divergentes. Na atração que o tema exerce sobre todas as pessoas. E imaginei
comigo que, sendo as pessoas diferentes, devam existir origens diferentes para
os sonhos dos sonhadores. Isso pode ser apenas um delírio poético (sou mais
poeta ou mais arteterapeuta?), mas faz sentido.
Eu pensara de onde tinha vindo o
meu primeiro sonho, sonhado de olhos abertos. E refletia a respeito do
significado que ele poderia ter para nossas vidas. Talvez para o resto de nossas
vidas. E fiz de mim própria meu objeto de reflexão.
Eu poderia dizer que o meu
primeiro sonho acordado, da minha vida de menina, foi uma ação, tinha
movimento: eu girava! Sim, seis anos de idade, sempre procurando ficar sozinha,
para poder “girar”. Eu rodopiava tanto, que não saía do pronto-socorro.
Cicatrizes de tombos fortes que eu tomava girando.
Por que eu girava? Girava porque
adorava ver um mundo feito de borrões coloridos girando com velocidade em torno
de mim. Girava porque eu viajava ao meu planeta e sentia felicidade. Rodava
porque precisava habitar, nem que por instantes, um mundo mais fluido, uma
terra que tivesse a mesma tez que a minha: volátil! Se meus pais tivesse me
levado a um psiquiatra, este me diagnosticaria como autista, muito
provavelmente.
Pensando sobre isso hoje, com um
olhar maduro, terapêutico, eu diria que este, que foi o primeiro, continua a
ser um grande sonho pra mim, que muito me traz felicidades. E para explicar
isso, preciso delirar, sintonizar mais com a poeta do que com a arteterapeuta.
Eu preciso dizer que nunca, jamais me adaptei ao meu mundo. Sempre estive nele
sem estar nele, e assim tem sido por toda a minha vida. É nele em que a criança
gira e a mulher procura entorpecentes suaves para a sua loucura circular.
Se as pessoas – pais e mães
principalmente – compreendessem que os jovens buscam nas drogas a transcendência.
Mesmo que não saibam, eles buscam um mundo cujo ritmo seja menos acelerado,
onde a vibração não seja agressiva. Eu entendo que é preciso compreender que o
mundo não está exatamente numa vibração acolhedora. Desapareceram as substâncias
que já o fizeram mais leves. E os jovens sofrem. Seus egos desconhecem, mas
suas almas sofrem da dor de um mundo sem magia, um mundo dominado pelo
dinheiro, pelo capital. E essa é a maior brecha para a entrada da droga em suas
vidas.
Eu girava. Eles começam, muito
cedo, a fugir do mundo denso através das drogas. Muitos experimentam e
esquecem. Outros permanecem. Há no mundo seres com graus de sensibilidade
diferentes. Eu já sonhei que encontrava um povo cuja alma era vegetal e que se
impregnaram de erupções contagiosas por não agüentarem a densidade do planeta
terra. Eu também fui contagiada e, assim, deduzi que era um deles. Um sonho...
Um sonho que me levou a buscar
coisas leves, belas, divinas em minha vida. Porque, se não as encontrasse,
minha alma vegetal ficaria intoxicada. Uma semana após o sonho, a pele começou
a ficar toda pipocada, de fato. Mesmo com a insistência de alguns, não recorri
a um médico. Eu precisava apenas encontrar algum ponto, uma pequena dimensão,
onde a vibração suave me curasse. E aí entra a arte, a arteterapia e tantas
outras histórias.
E lembro primeiro do cuidador, os
que, por vocação, curam-se cuidado do outro Minha história de vida sempre
passou por isso. Depois vem o olhar sobre o mito, Abaluaê, o africano; Quíron, o
grego, e tantos outros mitos que encarnam o arquétipo do curador ferido. Minhas
cicatrizes dos giros não nada perto das outras, as internas. Mas meus giros
deixando-me algumas cicatrizes me parece, de alguma forma, significativo. Para
alcançar uma dimensão mais leve, mais sublime, era preciso abrir a carne.
Sempre. Haveria outras formas de sair dessa dimensão densa quando a criança
crescesse. E houve!
A música me faz girar. O teatro
me faz girar. A poesia provoca giros acelerados. Mas até chegar a essa
descoberta, experimentando muitas promessas de paraíso. E volto a falar dos
jovens de alma vegetal, talvez, brincando um pouco com o sonho. Refiro-me aos
dependentes de drogas. Todas elas, lícitas ou ilícitas. Do corpo e do
sentimento. As ervas, as químicas, os traficantes, a dor dos pais, a morte,
tantas vezes...
Os jovens que recuperam o seu
poder de sonhar acordados, que voltam a sentir o ...enlevo...na vida real, não
se tornam dependentes de drogas, ainda que as experimente eventualmente. O remédio
é a embriaguez dos sentidos, é o encanto que brota dos chãos mais duros da
terra. Os jovens já não sonham verdadeiramente. Já não acreditam no impossível.
O que há é o pesadelo do sistema que cria insatisfações eternas, para vender
felicidade embalada. A vibração desse mundo de guerras, de atrocidades, de
destinos preestabelecidos pelo sistema, pelos pais, pelas escolas, ela
desarmoniza a alma dos jovens e adolescentes. E eles, inconscientemente, buscam
um paraíso.
Cuidemos de reencantar o mundo. De
nos reencantarmos com ele. Voltemos a sonhar. Voltemos, principalmente nós, adultos,
maduros, voltemos a ensinar encantos e felicidade aos nossos meninos. A apontar
uma estrela, a levá-los a um observatório para ver a nossa pequenez e os mundos
que um dia iremos conquistar. Mostremos a eles o arco-íris. Contemos histórias
fantásticas, onde o impossível torna-se possível pela magia. Ensinemos a eles
onde se guarda a magia: dentro de cada um. Nós nos desencantamos, ficamos
prisioneiros do sistema, e contaminamos nossos jovens. Temos o dever de
reencantá-los. É absolutamente urgente
que voltem a sonhar, que reaprendam a sonhar.
A proposta da oficina do Sonhar
com as Mãos abre-se também para pais que estejam dispostos a começar por si
mesmos o aprendizado do devaneio, do sonho, aqueles que sonhamos acordados. Ou
que sonhávamos.
A primeira oficina trabalhará a
persona, nossa máscara social, conforme as etapas em direção à individuação de
Jung. Contudo, a máscara que trabalharemos inicialmente é a palavra. As
palavras são máscaras poderosas e funcionam, tantas vezes, como cárceres. Não
libertam, aprisionam. Revelam, mas tornam a velar. Sonharemos. Caminharemos
pelo território da não-palavra. Viveremos uma ambiência de sonho. E a Arte
estará sempre presente, a nos lembrar da maior de todas as artes: a Arte de
sermos nós mesmos! Verdadeiramente. Porque só assim seremos felizes.
Na segunda oficina do Sonhar,
dando prosseguimento à primeira, trabalharemos “a palavra encantada”. Um
momento imperdível, que nasceu do fundo da alma, da alma da arte, da poesia. Mais esse é outro papo.
Dia 5/10/2013
Horário: das 08 às 12
Investimento: R$ 160,00
Para os que se inscreverem até o dia 5 de setembro: R $120,00
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Deixe aqui suas impressões, reflexões, dúvidas.