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27 de ago. de 2013

Sonhar com as mãos e vivenciar o Mistério







Arte: Evelyn  Patrick


“A vida é um mistério a ser vivido, não um problema a ser resolvido”. Gosto muito dessa afirmação de Gabriel Marcel. Ela me lembra, de algum modo, uma entrevista que fiz, há alguns anos, com um competente e sensível psicoterapeuta corporal, Romero Magalhães, para quem não existem, exatamente, “patologias”, mas tão-somente processos adaptativos da ainda tão nova espécie humana. Estamos aprendendo. Adaptando-nos. Evidentemente isso dói e precisa ser cuidado. Sem, contudo, esquecermos que o “mistério” precisa ser vivenciado.

No decorrer da minha caminhada de auto-descoberta, as analogias foram instrumentos fundamentais, visto que ainda falamos linguagens diversas, aparentemente desconectadas, e as divergências acabam por deixar meio confusos aqueles que buscam compreender-se. A linguagem, a palavra, as denominações tantas vezes são a origem dessa confusão.  Mas com empenho e obstinação, conseguimos, sim, entender que, não raras vezes, estamos falando da mesma coisa.

Nesse caminhar de buscas, adentrei cavernas reais. Senti a escuridão não metafórica, mas literal. Sofri com os alaridos do silêncio e defrontei-me com a serpente sem a pele do símbolo: ela mesma, ali pertinho, nós duas, quando a necessidade de acreditar que era possível falar e ser entendida era fundamental. Viver, literalmente, a escuridão, os fantasmas, os perigos da dimensão noturna foi importante para reconhecer a força, o vigor do imaginário, da linguagem simbólica do inconsciente. Longe de desprezá-lo, a vivência real aguçou a minha percepção e o meu entendimento sobre eles.

Nossas cavernas simbólicas protegem-nos tanto ou mais que as cavernas concretas. Creio que um terapeuta precisa ter sempre isso em mente e ter a habilidade de entrar, junto com aquele de quem cuida, na caverna. Para ajudá-lo a entrar em contato com essa vida interior, o terapeuta, o cuidador, haverá de – como enfatizou Hycner – ajudar a liberar “as centelhas sagradas que ficam aprisionadas em cada um de nós”. Não para que “um problema seja resolvido”, mas para que o mistério da vida possa ser vivido com mais plenitude.

Escrevo essas reflexões pensando não em um ou outro “problema” específico dos que buscam ajuda terapêutica. Estendo meu pensamento à espécie humana. As idiossincrasias precisam ser compreendidas e acolhidas. Despatologizar a vida. Exaltar o mistério. Intensificar o olhar para o cotidiano. Tendo a crer que muito do que chamamos de desequilíbrio, desarmonia, distúrbios etc. não passa de uma impossibilidade de nos enxergarmos como parte do todo da vida. O terapeuta é, também, um reverenciador. Aquele que nos auxilia a recuperar a capacidade plena do olhar. A reverenciar cada momento da vida, devolvendo-lhe as cores.

A vida é, sim, um mistério a ser vivido, não um problema a ser extinto. Reaprender a imaginação, essa dimensão onde recriamos a nossa história. A oficina Sonhar com as Mãos é um convite a essa aventura – vivenciar o mistério, libertar as centelhas sagradas aprisionadas, ouvir a canção que ecoa no solo das palavras virgens. Sonhemos com as mãos!

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