Arte: Evelyn Patrick
“A vida é um
mistério a ser vivido, não um problema a ser resolvido”. Gosto muito dessa
afirmação de Gabriel Marcel. Ela me lembra, de algum modo, uma entrevista que
fiz, há alguns anos, com um competente e sensível psicoterapeuta corporal,
Romero Magalhães, para quem não existem, exatamente, “patologias”, mas tão-somente
processos adaptativos da ainda tão nova espécie humana. Estamos aprendendo.
Adaptando-nos. Evidentemente isso dói e precisa ser cuidado. Sem, contudo,
esquecermos que o “mistério” precisa ser vivenciado.
No decorrer da minha
caminhada de auto-descoberta, as analogias foram instrumentos fundamentais,
visto que ainda falamos linguagens diversas, aparentemente desconectadas, e as
divergências acabam por deixar meio confusos aqueles que buscam
compreender-se. A linguagem, a palavra, as denominações tantas vezes são a
origem dessa confusão. Mas com empenho e
obstinação, conseguimos, sim, entender que, não raras vezes, estamos falando da
mesma coisa.
Nesse caminhar
de buscas, adentrei cavernas reais. Senti a escuridão não metafórica, mas
literal. Sofri com os alaridos do silêncio e defrontei-me com a serpente sem a
pele do símbolo: ela mesma, ali pertinho, nós duas, quando a necessidade de
acreditar que era possível falar e ser entendida era fundamental. Viver,
literalmente, a escuridão, os fantasmas, os perigos da dimensão noturna foi
importante para reconhecer a força, o vigor do imaginário, da linguagem simbólica
do inconsciente. Longe de desprezá-lo, a vivência real aguçou a minha percepção
e o meu entendimento sobre eles.
Nossas cavernas
simbólicas protegem-nos tanto ou mais que as cavernas concretas. Creio que um
terapeuta precisa ter sempre isso em mente e ter a habilidade de entrar, junto
com aquele de quem cuida, na caverna. Para ajudá-lo a entrar em contato com
essa vida interior, o terapeuta, o cuidador, haverá de – como enfatizou Hycner –
ajudar a liberar “as centelhas sagradas que ficam aprisionadas em cada um de nós”.
Não para que “um problema seja resolvido”, mas para que o mistério da vida
possa ser vivido com mais plenitude.
Escrevo essas
reflexões pensando não em um ou outro “problema” específico dos que buscam
ajuda terapêutica. Estendo meu pensamento à espécie humana. As idiossincrasias
precisam ser compreendidas e acolhidas. Despatologizar a vida. Exaltar o mistério.
Intensificar o olhar para o cotidiano. Tendo a crer que muito do que chamamos
de desequilíbrio, desarmonia, distúrbios etc. não passa de uma impossibilidade
de nos enxergarmos como parte do todo da vida. O terapeuta é, também, um
reverenciador. Aquele que nos auxilia a recuperar a capacidade plena do olhar.
A reverenciar cada momento da vida, devolvendo-lhe as cores.
A vida é, sim,
um mistério a ser vivido, não um problema a ser extinto. Reaprender a imaginação,
essa dimensão onde recriamos a nossa história. A oficina Sonhar com as Mãos é
um convite a essa aventura – vivenciar o mistério, libertar as centelhas
sagradas aprisionadas, ouvir a canção que ecoa no solo das palavras virgens.
Sonhemos com as mãos!
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