Leio, inúmeras
vezes – assim como ouço – que o tal “Transtorno do Déficit de Atenção com
Hiperatividade (TDAH) é neurobiológico, de causas genéricas, que aparece na infância.
Eu não acredito nisso. Não há quem me convença que, de repente, vivamos uma era
onde tantas crianças e adolescentes sofram de males que no passado nem se ouvia
falar. Também acho, no mínimo, sintomático, que todas as associações que
defendem a existência desses distúrbios sejam mantidas por laboratórios farmacêuticos.
Pergunto-me se a existência dessa relação, com o interesse de vender remédios,
pode ser confiável, e se esses pretensos diagnósticos estão sendo feitos, de
fato, para melhorar as crianças e adolescentes.
Uma fala
constante dos especialistas da área psicopedagógica, quando os pais, em
desespero, procuram os profissionais para descobrir a causa do baixo rendimento
escolar de seus filhos e o desinteresse pelas atividades escolares: “O problema
está no sistema; mas como não podemos mudar o sistema, trabalhamos para adaptar
o aluno a ele”. Essa expressão que menciona a “adaptação” não passaria de um
eufemismo? Adaptar o aluno ao sistema não seria o mesmo que mutilá-lo, aniquilar sua
espontaneidade expressiva, sua capacidade criativa, sua sin-gu-la-ri-da-de? Não sei...
É fato que a
qualidade de ensino no Brasil é péssima. Fato também que a educação veicula,
inconscientemente, por parte dos simples professores, a ideologia do
capitalismo, que trabalha na direção da padronização. Pressupõe que todos os
indivíduos são iguais, ou que devam ser iguais. E aqueles que fogem dos padrões são
imediatamente rotulados, passam a ter que viver com o estigma de um transtorno
inventado, na maioria dos casos.
E a grande vedete
do momento para esses males fabricados por conveniências diversas, e que tem
por trás a indústria medicamentosa, é a Ritalina, medicamento cujos efeitos têm
sido comparados, por especialistas, como o da cocaína. Eu fico me perguntando
se é justo que peguemos uma criança que não tem interesse pelo ensino, num
modelo ultrapassado ou voltado apenas para a questão do vestibular, que não
tenha uma educação que inclua a ludicidade e que não considere as
singularidades de cada um, tenha que tomar a tal da Ritalina, com efeitos,
segundo alguns especialistas, parecidos com o da cocaína. Sem dúvida, o
medicamento o deixará funcional (às vezes robotizado), mas certamente não despertará
um interesse real pelo que está estudando e continuará a perceber que a
pedagogia e os interesses curriculares não o alcançam, não encontram pontos de
ressonância dentro deles.
Nem vou falar de
relatos de mães que declaram que seus filhos, depois da utilização da Ritalina,
perderam o ânimo para brincar, jogar, criar. Vou falar do sistema simbólico e
imaginário de cada aluno que é único e que não podemos generalizar as situações.
Falarei que, se o erro está no sistema, não podemos achar que um medicamento
que promove tantos males seja a solução dos problemas, porque na verdade o
desespero e a falta de criticidade de pais e educadores têm evitado uma reflexão
mais séria sobre o assunto.
Acontece que
reduziram a dimensão humana a uma dimensão orgânica e biológica, e somos muito
mais que isso: temos cultura, sociedade, psiquismo, ou seja, várias dimensões
que constituem a humanidade. A volta das explicações organicistas, somada ao
desenvolvimento de medicamentos na área da psiquiatria e à ideia de que as
pessoas que não conseguem fazer determinadas coisas possuem algum tipo de
transtorno, chegou à educação. Não é concebível imaginar que uma criança que
vai tomar Ritalina porque tem dificuldade de atenção na escola vai conseguir
se interessar pelo que não se interessava antes.
Isso é um absurdo.
Uma criança
considerada hiperativa está a reclamar mais movimento, mais agilidade, está
mostrando que o seu ritmo não condiz com o ritmo da escola, da aprendizagem.
Ela solicita, com todo direito, mais. Da mesma forma, uma criança que é diagnosticada
como tendo Déficit de Atenção está passando a mensagem de que aquilo que estão
dizendo não a interessa, não está sendo passado de forma interessante, e, que,
portanto, não há déficit nenhum, apenas um desinteresse plenamente justificado.
Subliminarmente,
estamos passando para as crianças a mensagem de que o mundo está todo em ordem,
o sistema é perfeito, mas elas (as crianças) é que têm problemas. Além da deslavada
mentira que estamos, de alguma forma, passando para as crianças, a
possibilidade de baixa auto-estima passa a ser grande. Consciente ou inconscientemente,
estamos gravando nas crianças a incapacidade de enfrentar desafios sozinhas,
estamos abolindo a ludicidade na vida de crianças e adolescentes, ao cobrarmos,
indiretamente, que elas respondam às expectativas do sistema, mesmo que para
isso elas tenham mutilado o seu verdadeiro potencial criativo. E não creio que nenhum
pai ou mãe desejem que seus filhos, futuramente, tenham um diploma, mas já não
saibam de si próprios, já não saibam ser críticos, inovadores, revolucionários.
E é isso que acontecerá se não pararmos para dar a este tema a atenção devida.
É quase um crime
uma criança crescer acreditando que é uma droga que irá ajudá-la a viver, a se
relacionar, a responder aos desafios da vida. E como um remédio que tem
anfetamina, ou seja, que tem a mesma origem que a cocaína, com efeitos
colaterais gravíssimos, pode ser algo que ajude essa criança a melhorar sua vida?
Estudos em todo
o mundo comprovam que a Ritalina funciona no cérebro igualzinho à cocaína. E
agora? Quem é mesmo seu filho? Quais são as reais potencialidades dele que não
são e não serão desenvolvidas através de medicamentos? E onde entra a
Arteterapia nisso tudo?
Eu acredito que
a Arteterapia pode, nesse momento de confusão para pais e educadores – que
respondem submissamente ao sistema – ajudar a desenvolver os potenciais
criativos dessas crianças e adolescentes estigmatizadas por fugirem ao padrão
exigido pelo sistema. A Arteterapia é uma abordagem que, essencialmente,
singulariza cada ser. Para a Arteterapia não deverá haver “hiperativos” ou
pessoas com “déficit de atenção”. Haverá sim, pessoas que imprimirão seu próprio
ritmo, pessoas que focarão naquilo que lhes é interessante, que contribua para
suas autodescobertas, para o desenvolvimento de suas potencialidades. A Arte em
si já liberta dos estigmas aqueles que a sociedade rotula por incompetência de
olhar com a singularidade devida. Além disso, a abordagem arteterapêutica ajuda a recuperar
a dimensão criadora do ser, com todas as suas peculiaridades, diferenças,
cores, tons, sons.
Alunos que vão
mal em Redação – por mais que decorem a estrutura, por mais que tenham aulas
extras – , de repente descobrem que a educação que tiveram amputou sua veia
criativa, trancafiou em algum lugar sua imaginação. E, ao recuperarem,
sentem-se aptos a escrever, criar, criticar e reivindicar o seu direito de
serem diferentes. Porque é pela diferença que sofrem. É pelos caminhos
singulares de aprendizado que são rotulados, robotizados e medicados. É inadmissível
que a Arte esteja sendo tratada nas escolas como a matemática, exigindo dos
alunos que a criação corresponda às expectativas dos professores, sem que a
expressividade do aluno seja considerada. Por vivência, por experiência própria,
eu recomendaria a Arteterapia a todos os pais e alunos que vivenciam esse
conflito que se constitui em ver o filho atendendo às expectativas do sistema
ou ver-lhes felizes por ter se libertado de uma educação que é filha de um
sistema padronizador e assassino. Um sistema que mutila.
Se cabe aos
pedagogos ajustar o aluno ao sistema, de uma forma mais suave, aos Arteterapeutas
cabe o papel de libertá-los, libertar sua dimensão simbólica única, sua
singularidade.
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