Há uma expressão muito minha,
muito íntima, que não verbalizo nunca, mas constato e penso, em algumas raras
vezes nesta vida: estou secretamente
feliz! Duvido que o que chamo de
felicidade seja ela mesmo, a tal Felicidade prometida só mesmo nos paraísos,
nos Edens da vida. Mas consideremos a nossa idealização de felicidade mais próxima
da realidade terrena. É dela que falo. É ela que já me visitou algumas poucas
vezes, sem que eu tenha feito alarde e anunciado aos quatro cantos do mundo.
Começo falando dessa “felicidade
secreta” para deixar claro que não faço apologia à tristeza. Muito menos à
felicidade. Mas não posso deixar de lembrar que vivemos a era da ditadura da
felicidade. A felicidade virou um produto e a maioria vê-se na obrigação de
consumi-la. Acontece que a obrigação de ser feliz vem nos tornando secretamente
e cada vez mais infelizes. Patologizaram a tristeza. É vergonhoso e humilhante
não estar feliz. Bonita parece ser a alegria pré-fabricada, intensificada pelo
rivotril, que ajuda a evitar a humilhação de não poder sorrir. E nem se fala na
existência de uma felicidade calma, reservada, secreta, sem glitter
Acontece que ela existe. Em dose
terráquea, sem os esplendores do Paraíso, mas com a suavidade e o bem-estar
proporcionados por pequenos e significativos momentos de nossa vida. Quando
aprendemos a olhar com embriaguês, com poesia, para a vida e seus mistérios,
podemos ser arrebatados momentaneamente. Um pôr-do-sol, uma música, um livro,
um abraço, o vento, o mar e tantas e tantas coisas “insignificantes” sob a ótica
capitalista do consumo. Porque é preciso “comprar” felicidade. E ela deve ser
luminosa, exuberante, estrondosa, felicidade com glitter.
Entre os tantos benefícios
proporcionados pela Arteterapia, a possibilidade de encontros legítimos com a
felicidade. O fazer artístico com fins terapêuticos proporciona encontros
essenciais, fundamentais com a Alma, E cria espaço para uma felicidade que nos ilumina de dentro da fora, sem néon, sem brilhos extravagantes, sem glitter.
Acredito que a tristeza e os seus
parentes mais velhos e severos, como a depressão, são entidades subversivas. Elas
se insurgem contra a felicidade com glitter,
reivindicando o seu lugar, exigindo que as cortinas do teatro sejam
fechadas, para que possamos viver de verdade os nossos sentimentos, sejam eles
quais forem.
A Arteterapia acolhe a tristeza e
todo e qualquer outro sentimento. As mãos dão concretude ao que está submerso,
oculto, aprisionado. E, ao fazê-lo, começa a abrir as portas que guardam a
simplicidade da felicidade que nos sussurra verdades de extrema beleza. Não, e
não há pressa. Recriamos a tristeza em vários matizes. Ela toma as várias
formas que o fazer artístico possibilita. É soberana, na maioria das vezes,
porque chegamos ao trabalho arteterapêutico ainda com os anseios provocados
pela exuberante felicidade que se tornou lei e que nos persegue dia a dia. E é
ela que nos mostra os compartimentos secretos de nós mesmos.
No desenvolvimento da terapia,
encontramos, inúmeras vezes, com a felicidade em sua aparência mais legítima. E
a tendência é que passemos a encontrá-la mais vezes ao longo de nossa
caminhada, porque nos libertamos da tirania do “sorriso alvo e perfeito,
proporcionado pela pasta de dente X”.
A Arteterapia é um convite à
felicidade íntima, nascida de pequenas sementes que deixamos ensacadas, porque
estamos sempre ocupados em comprar felicidade em alguma concessionária, na clínica do
cirurgião plástico, na academia, nos estabelecimentos que vendem a efusividade
em todas as cores e tamanhos. Mas a verdade é que a felicidade com glitter está adoecendo corpos e almas. Esvaziando de sentido a vida de muitos. E aí, a tristeza subversiva trata de
fechar as cortinas e trancar as portas do teatro, convidando-nos a uma vida
real.