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1 de mai. de 2013

"Me ajuda a olhar!"






"A imaginação é mais importante que o conhecimento." (Albert Einstein)



Há uma frase de Máxime Greene que diz: “A imaginação é a capacidade de olhar através do real”.  Isso pressupõe que, de algum modo, estamos semi-enclausurados na chamada “realidade”. E que é preciso que olhemos, através de suas brechas, o lado de fora, onde se encontra um oceano de mistério, como alguém já o disse. Muitos especialistas e estudiosos do assunto concordam que a infância é grande fonte de nossa vitalidade imaginária. E eu me pergunto o que andam fazendo com as crianças, que crescem dentro de uma paisagem árida e se tornam adultos que não conseguem olhar além do óbvio concreto, esquecidos de que a realidade precisa ser construída pela imaginação. Boa parte da saúde psicológica dos adultos depende da plenitude da experiência imaginária na infância. E num círculo vicioso, a qualidade da vida imaginativa da criança necessita de um ambiente favorável ao faz-de-conta, o que exige dos adultos – pais, educadores... – um contato com sua própria vida de fantasia.

Procuremos as saídas. Pais e educadores vêm de uma educação que considera a imaginação irrelevante, com a predominância do pensamento lógico e das capacidades cognitivas. As práticas de aprendizagem não prevêem o desenvolvimento das capacidades imaginativas das crianças. E os professores não entendem, ainda assim, por que os alunos não conseguem escrever uma redação, não encontram ideias que possam ser desenvolvidas e acabam se perdendo em chavões que muito pouco têm a dizer a eles próprios.

Começamos, muitos de nós, a vida imaginando. Criando nosso faz-de-conta, conversando com seres invisíveis, criando personagens e situações fantásticas e inimagináveis. No meio do caminho vamos deixando nossas “bobagens” de lado, porque é preciso “crescer” e crescimento, em casa, na escola, na sociedade, pressupõe o abandono dessa fonte imaginativa que nos levaria a uma existência mais rica, mais saudável, mais ampla.

Eu fui uma criança imaginativa. Muito. Talvez até excessivamente, se considerarmos os diagnósticos modernos, a medicina que patologiza tudo aquilo que fuja ao controle: e a imaginação nos leva ao longe. Lembro que, crianças, eu e uma irmã demos nomes a duas formas numa parede descascada da casa em que morávamos. Estavam lá duas meninas, possivelmente, cujos nomes eram Palalia e Chita. Manchas, nuvens ou qualquer outra coisa que sugerisse uma forma eram facilmente notados e denominados. Excesso de imaginação, diriam. E, em se tratando de crianças, o termo se torna até redundante, porque criança que é criança possui mesmo uma imaginação fértil e vive o faz-de-conta como se realidade fosse. E é.

A minha escolha e o meu entusiasmo com a Arteterapia tem sua origem na observação de que o mundo está adoecido dos olhos. O olhar não consegue ver além do que permitem as cruas e insípidas paredes da realidade. O pensamento lógico exilou a imaginação, e sem imaginação não encontramos saídas, porque as saídas são forjadas pelo exercício imaginativo. Muito se fala da Arteterapia ressaltando a arte como ponte para o inconsciente. A arte trazendo à luz os símbolos que jazem na escuridão que, conscientemente, não podemos adentrar. Mas eu vejo, entretanto, o aspecto da imaginação como elemento essencial na abordagem arteterapêutica. Queiramos ou não, os adultos que se beneficiam da Arteterapia são crianças que tiveram sua imaginação criadora recalcada. São gerações e gerações que desaprenderam o devaneio e que a maioria das vezes não conseguem compreender de onde vem o sufocamento, a sensação de estarem presos dentro de si mesmos. Vivemos num labirinto de espelhos e não há nada que surja de novo provocando o espanto necessário para o exercício criativo.


O psicanalista e educador Rubem Alves, em muitas oportunidades, afirmou que em nosso sistema educacional não há lugar para a inteligência criativa. O aluno aprende que há sempre uma resposta certa entre as alternativas apresentadas e que precisa encontrar a solução de determinada questão formulada por outros. Carecemos de uma pedagogia que priorize a imaginação criadora e não que olhe com desconfiança aqueles alunos que encontram várias respostas para uma mesma questão, que tendem a explorar o desconhecido e a questionar as verdades únicas, a resposta certa, a alternativa onde deverão marcar o “x”.

A arte é, seguramente, um caminho de libertação da imaginação criadora. Contudo, nas escolas tornou-se matéria obrigatória, moldada da mesma forma que as outras disciplinas curriculares.  É um absurdo uma professora de educação artística devolver um trabalho de um aluno alegando que não era bem aquilo que ela esperava. Um absurdo um aluno ser reprovado em artes. Um absurdo o pensamento de que, impelidos pela obrigatoriedade da matéria, os alunos deixem de faltar as aulas de arte. À parte a forma enfadonha como têm sido ministradas as aulas de educação artística, que em nada têm contribuído para o desenvolvimento da criatividade e da imaginação do aluno.


A Arteterapia tem conquistado, pouco a pouco, seu espaço entre as várias terapêuticas que existem por aí justamente por tocar nessa ferida primitiva, nesse embotamento, no enclausuramento da imaginação. Pela ausência de pretensões estéticas, pela possibilidade que oferece da exploração de várias modalidades artísticas, pela ênfase que dá ao processo da criação, em todas as suas etapas, pela materialização dos conflitos, pelo resgate dos potenciais criativos desconhecidos dentro de nós, a Arteterapia vem suprindo, de forma eficaz, as lacunas que a educação – familiar, escolar, social – vem deixando em nossas vidas, e demonstrando que dependemos da nossa vitalidade imaginária para estarmos bem, equilibrados, felizes.

Nos marcadores de livro que tenho usado como material de divulgação do meu trabalho arteterapêutico, há uma criança desenhando um coração dentro de um adulto. Eu acredito que a Arteterapia põe em destaque a criança que somos ou fomos. Faz com que a criança reclusa possa unir-se novamente ao adulto, devolvendo-lhe a imaginação perdida. Com as crianças, que precocemente são privadas da sua vitalidade imaginária, ela atua da mesma forma. Isso não significa (embora possa acontecer) que a Arteterapia transforme pessoas em artistas. A Arteterapia ajuda o médico, o engenheiro, a dona-de-casa, a enfermeira, o professor e tanta gente que sofre a desenvolver, em suas vidas e nos campos profissionais onde atuam, o seu potencial criativo, a autoconfiança,a singularidade.

Um texto de Eduardo Galeano pode muito bem ilustrar o papel essencial do arteterapeuta:

Diego não conhecia o mar. O pai, Santiago Kovadloff, levou-o para que descobrisse o mar. Viajaram para o Sul.
Ele, o mar, estava do outro lado das dunas altas, esperando.
Quando o menino e o pai enfim alcançaram aquelas alturas de areia, depois de muito caminhar, o mar estava na frente de seus olhos. E foi tanta a imensidão do mar, e tanto fulgor, que o menino ficou mudo de beleza.
E quando finalmente conseguiu falar, tremendo, gaguejando, pediu ao pai:

 – Me ajuda a olhar!

Como uma criança olhando pela primeira vez o mar, o paciente, muitas vezes, é arrebatado pela sua criação, pelo susto de descobrir-se com potenciais desconhecidos, por recear muitas vezes, até, o assombro ao ver pela primeira vez uma face sua tão iluminada. E o arteterapeuta, como uma parteira, ajuda no processo de renascimento de uma criança trancafiada por uma vida. E ajuda a olhar. Compartilha o assombro, a magia, os passos ainda cambaleantes de quem, finalmente, começou a andar em direção ao seu verdadeiro ser.


14 comentários:

  1. nossa Tânia foi um textos mais significativos e elucidativos que li sobre o assunto. parabéns!

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    1. Que bom que pude passar um pouco dos tantos benefícios da Arteterapia, Lázara! Beijos

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  2. que essa criança não se canse nunca do espanto do mundo, deste florescer de súbitos



    beijo

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  3. Belíssimo texto, a paixão pela Arteterapia é bonito de se ver ! Sábias palavras ! Pàrabéns Tânia !

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  4. Lindo, Tânia, parabéns!
    Com certeza você já está ajudando muita gente a olhar, a pensar, a sentir, a existir!
    Bjs.

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  5. Tania,
    Você, minha amiga por dentro e por fora nestes tantos anos em que aprendemos a nos conhecer, a conhecer e a nos reconhecermos um ao outro, sempre se fez assinar por uma palavra com a força do fogo líquido, como metal que escorre. Só que agora você se superou: casou a sensibilidade e a poesia com a mais profunda das verdades existenciais - a eterna e interna criança de todos nós, a que sempre vê a verdade sem máscaras. Parabens pelo trabalho cristalino e de grande pureza. Um beijo,
    Ricardo

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    1. Ricardo Chemas, se a sua sensibilidade é tocada, é porque alcancei corações, e isso é o que é importante.

      Beijos, querido.

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